Para além da arte, Elza Cataldo
Março de 2023,
Geralmente, nós analisamos um filme pela sua capacidade de nos emocionar (ou não). Pelos seus eventuais atributos técnicos. E pela sua intangível qualidade artística. Embora a arte seja um parâmetro complexo, ela agrega, ao mesmo tempo, encantamento à uma obra audiovisual. Realizar um filme artístico talvez seja o grande objetivo de um realizador. Ou pelo menos de diretores, produtores e roteiristas que consideram a arte uma forma maior de expressão.
Entretanto, um filme pode ser analisado para além da arte: como um conjunto de ações e estratégias de planejamento que viabilizam a sua existência.
A começar pelo roteiro: peça fundamental que norteia todas as características de um filme, seja suas exigências de produção, a adequação das suas locações ou cenários e adereços, a sua luminosidade, seus personagens com seus respectivos figurinos, maquiagens e cabelos; enfim, o roteiro contém tudo o que é essencial para se contar uma determinada história.
Seguimos com o plano de filmagem: lista de todas as cenas contidas na dramaturgia, agrupadas de acordo com a racionalidade da produção e a agenda dos atores. Um labirinto de decisões e um mosaico de soluções em prol do filme.
E, finalmente, chegamos à ordem do dia: o conjunto das cenas que serão realizadas dia a dia, contendo todas as informações fundamentais para a organização de cada departamento (elenco, direção de arte, figurino, maquiagem, cabelo, fotografia, som, maquinária, produção geral, produção executiva, produção de animais, produção de locação, transporte, alimentação, hospedagem, etc.).
A realização de um filme histórico acrescenta a todas essas etapas a necessidade da pesquisa. A historiografia é a base de inspiração, mesmo de um filme ficcional, que nos permite o mergulho em outro universo com seus costumes, suas linguagens, formas de habitação, paisagens e, principalmente, o seu espírito de época.
Faz parte do planejamento também a busca por uma concepção iconográfica de um tempo passado mesmo considerando a licença poética, às vezes bem-vinda.
A realização do filme As Órfãs da Rainha, que contou com o patrocínio da Energisa, exigiu ainda o desafio da construção de uma cidade cenográfica. A inexistência de locações do século XVI no Brasil, onde a preservação do patrimônio histórico é uma meta longe da realidade, e a especificidade do roteiro que impunha uma edificação apropriada de uma vila do século XVI, nos levou a criar uma metodologia de trabalho mesclada entre a construção civil e a cenografia. O que só foi possível através de um planejamento por etapas, resultante de uma profunda compreensão das necessidades artísticas e técnicas do filme, bem como da incorporação respeitosa da natureza em redor.
Em síntese, entender o cinema como manifestação artística não pode restringir a compreensão do que sua cadeia produtiva representa em termos de planejamento, atitudes de liderança, recursos humanos, responsabilidade e agilidade da tomada de decisões. Uma junção de magia, sim, e, talvez sobretudo, de gestão.
Sobre Elza:
Diretora, produtora e roteirista. Com curso em Cinematografia pela Universidade de Nanterre e Doutora pela Sorbonne, França, foi também professora e pesquisadora pela Universidade Federal de Minas Gerais. Entre seus trabalhos, estão o filme de longa-metragem “Vinho de Rosas” (Prêmio de Melhor Diretora Estreante no Festival Internacional de Batumi – Geórgia 2006 e Prêmios de Melhor Figurino, Melhor Cenografia e Melhor Som Direto no Festival de Maringá 2006); do filme de curta-metragem “O Crime da Atriz” (Prêmio de Melhor Curta Brasileiro do Júri e do Público e Prêmio TeleImage na Mostra Internacional de São Paulo 2007 e Menção Honrosa: Comédia no Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte 2008); do documentário “A Santa Visitação” e dos curtas “O Ouro Branco”, “Lunarium” e “A Má Notícia”. Coprodutora dos filmes de longa metragem “A Luneta do Tempo”, de Alceu Valença, e “Meu Pé de Laranja Lima”, de Marcos Bernstein. Foi coordenadora do Laboratório CINEPORT de Roteiros, consultora do ISVOR/FIAT sobre o tema Storytelling, palestrante e professora da Fundação Dom Cabral sobre estruturas narrativas, consultora do Programa Bahia Criativa (Minc/Secult) para desenvolvimento de roteiro, consultora da Casa da Economia Criativa/ SEBRAE para projetos audiovisuais e líder do Núcleo Criativo de roteiros da Brokolis do Brasil. Exibidora de cinema em Belo Horizonte. Dirigiu ainda o filme de longa metragem de documentário “O Levante de Bela Cruz” e longa metragem de ficção “As Órfãs da Rainha”, ambos em fase de lançamento, e ainda o longa metragem de ficção A Pedra do Sino, em fase de finalização.
Contatos: elza@personafilmes.com.br
Instagram: @elzacataldo