Carlos Sérgio Bittencourt e a efervescência cultural da Fundação Ormeo Junqueira Botelho em Cataguases
Minha carreira como autor teatral, diretor, ator, roteirista, contista e professor de interpretação decorre inicialmente da vocação cultural de Cataguases, uma vez que, já na adolescência, percebi a projeção da cidade no cenário nacional, proporcionada por diversos fatores, tais como o movimento modernista (Revista Verde), o cinema do Ciclo de Cataguases (Humberto Mauro), a ousadia da arquitetura moderna (Oscar Niemayer) e a profusão de obras de renomados artistas da arte plástica.
Vivenciar esse ambiente instigante e ousado, proporcionado principalmente pelo industrial e escritor Francisco Inácio Peixoto, me permitiu, a partir da década de sessenta, iniciar minha participação na história cultural da cidade, com destaque nas atividades de teatro, cinema e literatura.
Minha iniciação literária partiu de contribuições com poemas e contos na publicação do jornal estudantil O Muro e, em seguida, nos suplementos literários Totem e SLD, editados por Joaquim Branco e Ronaldo Werneck. Eram edições vanguardistas, identificadas com o movimento concretista e com a arte processual (Poema Processo).
Ainda em Cataguases, com relação ao teatro, meu contato inicial foi como ator, participando de montagens de vanguarda do Grupo Cacs, com obras de Samuel Beckett e Eugène Ionesco, dirigidas por Paulo Bastos Martins, nos anos sessenta, bem como na peça “Carta aos Ases”, de Joaquim Branco. Já no cinema, nesta mesma época, participei como ator do filme O Anunciador, o Homem das Tormentas, também de Paulo Bastos Martins.
Mesmo assim, eram tempos difíceis para os jovens pretensos artistas locais, quando não havia leis de incentivo à cultura, nem Fundações ou Instituições que patrocinassem ou apoiassem nossas iniciativas, o que provocou em muitos de nós a mudança para cidades dos grandes centros.
Ressalto, no entanto, a imensa contribuição do industrial Simão José Silva na produção de vários espetáculos teatrais, inclusive de minha autoria, nesse período em que apenas o mecenato de um visionário como Simão permitiu a criação de grupos ligados à arte cênica.
Já no Rio de Janeiro (RJ), formado em Comunicação pela UFRJ, cursei o Conservatório Nacional de Teatro e participei de workshops de interpretação no Actor’Studio de Nova York, além de cursos de teatro e cinema com renomados atores e diretores do país. O que me permitiu obter o Registro de Ator e Artista e minha filiação na SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.
Minha primeira peça, “Apaguem os Lampiões”, foi encenada em Cataguases no ano de 1977, em homenagem ao centenário da cidade. Um ano depois, meu segundo espetáculo, “Sorri Periferia” foi dirigida pelo ator e diretor Nelson Xavier, do Rio de Janeiro. Ambas produzidas pelo já citado Simão José Silva.
Em seguida, escrevi o musical infantil “O Condomínio da Floresta Encantada”, encenada no Teatro Princesa Isabel e no Teatro da Praia, ambos no Rio de Janeiro. Além dessas peças, criei várias outras, no Rio, destacando-se “Um Visionário na Noite”, realizada no Teatro da Praia, em 1995.
Em 1993, adaptei com Mário Benevides a peça “Amanhã É Dia de Pecar”, de Mário Lago e José Wanderley, participando ainda como ator de toda a temporada, no Teatro da Galeria, no Rio de Janeiro. Ainda como ator, participei de diversas montagens teatrais no Rio de Janeiro, além de novelas da Rede Globo.
Apesar de uma carreira promissora no Rio de Janeiro, algo extremamente importante aconteceu em Cataguases durante meu período de ausência. Refiro-me ao surgimento de espaços culturais na cidade com a criação de Fundações e Instituições, com destaque para a Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, que abrange o Anfiteatro Ivan Müller Botelho, o Museu Energisa, o Memorial Humberto Mauro e, principalmente, o Centro Cultural Humberto Mauro com seu saguão de exposições e o teatro (Sala Paulo César Seraceni), iniciativa da empresa Energisa. Espaços que oferecem um inquestionável apoio aos projetos culturais que movimentam a arte e a cultura da cidade, além de preservar a memória e o patrimônio da Zona da Mata mineira.
Em decorrência, voltei para Cataguases em 1998, atendendo convite para dar aulas de teatro no Anfiteatro Ivan Müller Botelho. De início para um grupo de alunos avulsos, depois como professor ligado à Escola de Música Lila Carneiro Gonçalves, mas continuando a ocupar o mesmo espaço, com turmas de crianças, adolescentes e adultos.
Em seguida, passei a utilizar o Centro Cultural Humberto Mauro, não só para o curso de interpretação, mas também para as montagens das peças de minha autoria, tanto para a turma de alunos quanto para as peças profissionais, com atores da cidade, sempre com o apoio da Fundação Ormeo Junqueira Botelho e o indispensável acolhimento de Mônica Botelho.
Resumindo, entre 1998 e 2022, escrevi e dirigi cerca de 80 espetáculos, objetivando a iniciação de várias gerações de alunos e a formação de um amplo público nas artes cênicas. No período, criei o Grupo Ktarse, que abrange um curso de teatro e a produção executiva da montagem de peças interpretadas pelos atores que integram o Grupo ou por atores convidados.
Em 2018 e 2019 participei também do Projeto Brincante-Arte Viajante, da Fundação Simão José Silva, como professor das oficinas, autor e diretor dos espetáculos apresentados pelos alunos.
Em 2011 conquistei os troféus de “Melhor Diretor” e de “Melhor Espetáculo” no VI Nepopó Festivao, festival de teatro de São João Nepomuceno (MG), com o espetáculo “A Herança”, além de outros prêmios concedidos à montagem da peça.
Atualmente devo destacar a importância do Polo Audiovisual para a cultura cinematográfica local, sobretudo com a criação do Curso de Cinema e Animação em Cataguases. Em consequência do Polo, inúmeras produções de fora rodam seus filmes na região, culminando na geração de empregos e na expansão de sua economia. Além de ter participado como ator de vários desses filmes, atuei também em diversas produções independentes de cineastas locais
Devido à minha extensa participação na cultura de Cataguases, deixo de citar aqui outras inúmeras contribuições numa diversidade de projetos já efetuados, seja como roteirista, diretor, ator ou escritor. Como contista, tenho trabalhos publicados em livros, suplementos literários e jornais. Em parceria com Henrique Frade, fui roteirista de vários filmes já produzidos ou em fase de finalização, inclusive adaptando para o cinema duas peças de minha autoria.
Enfim, no que concerne à minha carreira, pouco seria possível sem a efervescência cultural proporcionada pela Fundação Ormeo Junqueira Botelho e a inquestionável visão de Mônica Botelho para solidificar e divulgar a arte e a cultura de Cataguases e região.